Danças, brincadeiras, festas e modos de viver de comunidades quilombolas guardam histórias de transformação e precisam ser preservadas. Foi com esse firme pensamento que Marcilon Bezerra da Silva, professor de Educação Física da Escola Municipal Maria Antônia Pessanha Trindade, elaborou o projeto Centro de Memória de Práticas Corporais (CEMEPRAC), voltado para a comunidade quilombola de Lagoa Feia, em Dores de Macabu. O projeto, apoiado pelo Mais Ciência na Escola – programa da Secretaria Municipal de Educação, Ciência e Tecnologia (Seduct) – reúne registros de atividades tradicionais da comunidade e entrevista, construindo um rico acervo de memória histórica.
Participam do projeto os alunos bolsistas Antony Victor Carvalho Gomes, Matheus Lourenço da Silva e Miguel Souza Evangelista, responsáveis por apurar e tratar o material que conecta passado e futuro. Conforme explica o coordenador, a proposta do CEMEPRAC é tornar acessível e permanente um patrimônio cultural que vinha sendo conservado apenas pela memória oral.
O coordenador do projeto explica a origem da iniciativa. “Todas as tradições da comunidade quilombola de Dores de Macabu ajudam a compreender como esse território se constituiu e passou a ser reconhecido. O registro digital dessas memórias surgiu justamente para dar visibilidade a um patrimônio cultural que pertence a todos”, destaca.
A metodologia adotada privilegiou a pesquisa e a formação progressiva dos participantes. Para isso, foram organizados três cadernos de formação que abordaram memória e identidade, técnicas de entrevista e documentação e o uso de tecnologias digitais, e o trabalho dos bolsistas foi acompanhado por ferramentas colaborativas como Trello e Google Drive. “Desde o início, o projeto tem mobilizado estudantes, professores e moradores em torno de um mesmo propósito: preservar e reconhecer a história local, ” afirmou o coordenador ao comentar o protagonismo estudantil na coleta e na produção audiovisual.
A fase de coleta já registrou entrevistas com lideranças locais e práticas corporais em áudio e vídeo. Entre os entrevistados estão Hélio Pessanha Trindade, que tem 97 anos e desde o seu nascimento mora no quilombo, e outros moradores cujas memórias sobre brincadeiras de rua e espaços comunitários reforçam a urgência de documentar o que hoje existe apenas na lembrança.
Marcilon conta ainda que o CEMEPRAC será entregue oficialmente à comunidade quilombola em novembro, durante a realização da Semana da Diversidade na escola. “Nesse momento será iniciada a construção de um comitê gestor, com representantes da comunidade e instituições locais, que dará continuidade ao trabalho. Assim, o Centro de Memória não será apenas um resultado escolar, mas um patrimônio da comunidade, garantindo a preservação da sua memória a longo prazo”, afirma.
Memória estendida
Os trabalhos dos bolsistas renderam produções pedagógicas e artísticas que já integram o acervo e que serão disponibilizadas por meio de um QR code e de um perfil no Instagram criado para o CEMEPRAC. Exemplos concretos do processo formativo aparecem no mapa identitário elaborado por Miguel Souza e no registro reflexivo produzido por Antony Victor Carvalho, conforme destaca Marcilon. Carla Salles, coordenadora do Programa Mais Ciência na Escola, destacou o valor educativo da iniciativa ao dizer que “projetos assim aproximam ciência e saberes locais e que tornar visível a memória da comunidade é também formar cidadãos críticos e comprometidos com sua história”.
A etapa de curadoria colaborativa está em construção e envolve a seleção de eixos temáticos, a edição de materiais audiovisuais e a elaboração de estratégias para garantir acesso e atualização do acervo. Ferramentas digitais como Canva e CapCut foram utilizadas pelos bolsistas na produção de conteúdos e as rotinas de trabalho foram registradas nos Cadernos de Formação, que funcionam como memória metodológica do projeto.
Os resultados parciais apontam para ganhos que vão além do registro documental. Há fortalecimento da identidade coletiva, valorização da ancestralidade e a formação de novos protagonistas entre os estudantes que passaram a reconhecer seu papel na preservação cultural. O coordenador ressalta que a memória não pode ficar restrita à oralidade mas precisa ser registrada e acessível para as próximas gerações, e que a escola atuou como espaço de formação para que esse processo ocorra de forma ética e participativa.
Ele considera ainda que o CEMEPRAC surge como uma tecnologia social que combina tradição e inovação para proteger um patrimônio comunitário e ensinar nas escolas a importância da memória como recurso pedagógico. Carla Salles reforça a fala de Marcilon, pontuando que o compromisso do programa Mais Ciência na Escola é também valorizar iniciativas que preservam saberes locais e ampliam oportunidades educacionais, como o CEMEPRAC, que investem em identidade, pesquisa e em futuro para alunos e comunidade.